12 características de uma liderança do século 21
Para lidar com temas como inclusão, justiça e responsabilidade social e ambiental, é necessário desenvolver competências
diferentes das gerações passadas.
Na edição de 2019 da pesquisa "Tendências Globais de Capital Humano", conduzida
pela consultoria Deloitte, 80% dos entrevistados afirmaram que a liderança do século
21 exige novas competências para lidar com temas como inclusão, justiça,
responsabilidade social e liderança em rede.
De acordo com o relatório, as pessoas não acreditam mais que os resultados financeiros
são a única ou principal medida pela qual o sucesso de um negócio deve ser julgado.
Também entram nesta equação, por exemplo, o impacto que as empresas têm no
ambiente social e físico, na vida dos clientes e das pessoas que trabalham com elas.
Em outras palavras, o perfil do executivo que busca maximizar os lucros a qualquer
custo não cabe mais em um mundo cada vez mais complexo. Então qual o perfil de
liderança que precisamos para esta fase da humanidade? Que características precisam
ser desenvolvidas? Em quem podemos nos inspirar para avançar nas temáticas de sustentabilidade e ESG?
Essas perguntas parecem difíceis demais para serem respondidas, mas não impossíveis.
A partir do aprendizado com 27 pessoas entrevistadas para o livro Humanos de Negócios,
que conta histórias de homens e mulheres inspiradoras que estão humanizando o
capitalismo, elenquei 12 características essenciais para as lideranças do século 21.
Imagem: reprodução/ Humanos de Negócios
1. Humanidade
Parece redundante dizer que seres humanos precisam de humanidade, mas é
exatamente isso que as lideranças precisam resgatar.
Um estudo da universidade australiana Bond University aponta que, entre CEOs, a
taxa de sociopatia é bem maior do que na média da população: 21%, em comparação
com um percentual de 1 a 4% no geral. Sociopatas, de forma simplificada, são pessoas
que não demonstram cuidado ou preocupação com o outro.
Os humanos de negócios, por outro lado, decidiram não abrir mão de sua humanidade
para resgatar o verdadeiro espírito do trabalho: servir às pessoas e não ao capital.
Aqui vai um exemplo: Jayme Garfinkel, o herdeiro responsável pelo sucesso empresarial
da Porto Seguro, resolveu investir em soluções para a questão prisional do Brasil e
criou o Instituto Ação pela Paz. Para ele, vamos olhar para as prisões no futuro e
nos perguntar por que ninguém fez nada para resolver as péssimas condições de vida
nos presídios.
2. Inconformidade
Lidar com um mundo complexo exige não se conformar com o status quo – e
questionar, questionar, questionar. Só assim é possível encontrar novas soluções
para novas realidades.
Na década de 1980, a inglesa Safia Minney não se conformou com os impactos da
indústria da moda no meio ambiente – responsável, atualmente, por 8% das emissões
de gás carbônico na atmosfera, atrás apenas do setor petrolífero, segundo um relatório
da Ellen MacArthur Foundation.
Então, Safia começou a desenvolver uma cadeia sustentável apoiada no algodão
orgânico, que resultou na criação da empresa People Tree. Além disso, Safia investiu
boa parte da sua vida para provar que a indústria da moda pode funcionar de um jeito
alternativo, cuidando do meio ambiente e das pessoas.
Hoje, o tema moda sustentável já é parte das estratégias das grandes cadeias de moda,
mas tudo começou com pessoas inconformadas com a maneira tradicional (e predatória)
como essa indústria funciona.
3. Senso de justiça
Ser uma liderança que se preocupa genuinamente com os problemas da sociedade
exige senso de justiça. Fazer o que é melhor para o todo em vez do que é melhor
para alguns poucos.
A carioca Thais Corral, por exemplo, juntou-se com outras 11 mulheres no início da
década de 1990 e criou o WEDO, grupo decidido a elevar a voz feminina e o debate
sobre justiça social, econômica e ambiental.
E não parou por aí. Thais se uniu a ativistas como a americana Bella Azbug, a prêmio
Nobel queniana Wangari Mathaai e a indiana Vandana Shiva e mobilizou uma série de organizações para criar o Planeta Fêmea, um hub para discutir temas como direitos
humanos, população e desenvolvimento humano, mulheres, paz, assentamentos
humanos e segurança alimentar.
Hoje, ela continua militando nessa causa no Sinal do Vale, um espaço criado para
explorar práticas regenerativas de negócios.
4. Resiliência
Uma característica fundamental para lidar com mudanças constantes e os desafios
de se fazer diferente do que sempre foi feito é resiliência, essa incrível capacidade
de se recompor independentemente das forças que atuam contra você.
Luiz Seabra, fundador da multinacional brasileira Natura, precisou de muita resiliência
no início da década de 1970 para construir seu negócio. Semanalmente, seu sócio
inicial falava em fechar a empresa. Mas ele acreditava que poderia construir algo
muito grande e persistiu – para aumentar sua participação na empresa, por exemplo,
ele chegou a vender seu único patrimônio na época, um Fusca.
O próprio crescimento da Natura, uma companhia fundamentada na crença da
interação com a natureza, é um grande exemplo de resiliência no envolvimento de
parceiros de diversos setores para criar oportunidades econômicas que mantêm a
floresta em pé.
5. Empatia
O olhar para o outro, reconhecendo e valorizando o que faz sentido para aquela pessoa,
para só depois construir algo em cima, é fundamental para a construção de novos
caminhos e possibilidades.
A paulistana Paula Dib é um exemplo disso. Para propor projetos de valorização e
geração de renda para pequenas comunidades ao redor do Brasil, ela costuma passar temporadas de três meses no lugar para realmente entender como é a dinâmica de relacionamento entre as pessoas – e criar a partir dessa vivência.
Esses projetos lhe renderam prêmios internacionais e até uma parceria com o artista
ativista chinês Ai Wei Wei.
6. Ética
Em um mundo complexo, lideranças são constantemente impactadas por questões
igualmente complexas. E, embora não exista um manual de como lidar com elas, a
ética continua sendo fundamental.
O argentino Ernesto Van Peborgh é um exemplo disso. Ele atuou por muitos anos
no mercado financeiro comprando empresas falidas, aplicando choques de gestão
e vendendo essas companhias por um preço mais alto depois. Uma maravilha do
ponto de vista capitalista de retorno sobre investimento, mas um desastre para
centenas de pessoas que perdiam o emprego no processo.
Um dia, Peborgh ouviu de Stephan Schmidheiny, fundador da fundação suíça Avina,
um questionamento sobre que cuidados ambientais e sociais ele aplicaria nos
US$ 5 milhões que estava recebendo para seu fundo. Depois de dez anos tentando
entender a pergunta, Peborgh compreendeu que era um predador (em suas próprias
palavras) e saiu em busca de uma jornada de reinvenção – que o levou ao posto de
CEO do Capital Lab, um fundo que investe em projetos regenerativos.
Nessa iniciativa, é parceiro de John Fullerton, criador do Capital Institute, organização
que defende a aplicação de princípios de sistemas vivos para repensar a economia e
as finanças. Fullerton criou a iniciativa depois de mais de 20 anos de carreira no JP
Morgan, onde percebeu que era necessário repensar a visão de ganhar dinheiro
com dinheiro. Em 2018, criou a Regenerative Communities Network para estimular a
emergência de comunidades regenerativas e de escala biorregional ao redor do
mundo.
7. Comunicação Ativa
Outra característica de uma liderança do século 21 é a capacidade de inspirar pelas
histórias para mostrar que é possível fazer de um jeito diferente, criando um canal
genuíno de troca e respeito com todos ao redor – colaboradores, parceiros, clientes.
Nos primeiros anos da Feira Preta, por exemplo, Adriana Barbosa se apoiava em uma comunicação boca a boca e em flyers distribuídos por ela própria por São Paulo para
divulgar seu trabalho. Hoje, a Feira Preta é o maior festival de cultura preta da América
Latina, cuja organização envolve uma diversidade de parceiros e apoiadores para
acontecer.
Outro exemplo é da cientista política carioca Ilona Szabó. No início dos anos 2000,
ela liderou no Instituto Viva Rio uma intensa campanha de mobilização contra o
desarmamento no Brasil. Para levar a ideia adiante, ela se comunicava ativamente
com o que chamava de 4Ps: padres, pastores, policiais e políticos. No total,
recolheram 443 mil armas de fogo, na segunda maior campanha de desarmamento
do mundo.
8. Idealismo
As lideranças do século 21 não se deixam impressionar por frases ou afirmações
que reforçam o status quo. Pelo contrário, elas acreditam que dá para fazer de um
jeito diferente do que sempre foi feito e advogam por isso diariamente.
O paulistano Daniel Izzo é um desses casos. Depois de alguns anos trilhando uma
jornada de conquistas e promoções em uma grande multinacional, ele percebeu que
estava apenas trabalhando para gerar mais valor para acionistas que ele nem mesmo
conhecia. Foi quando decidiu dar uma guinada na carreira para explorar o tema da sustentabilidade.
Primeiro ele tentou dentro da multinacional em que trabalhava, mas não deu certo.
No lugar de abandonar o que acreditava, partiu para criar algo. Assim nasceu o primeiro
fundo de investimento de impacto do Brasil, a Vox. À frente da Vox, Izzo ajudou a liderar
a criação de um ecossistema de finanças de impacto em colaboração com muitas
organizações no Brasil.
9. Tomada de Riscos
Liderar em um cenário de tantas mudanças, transformações e questões urgentes é
desbravar terrenos desconhecidos. E fazer isso requer tomar riscos – e errar, se for
preciso.
Quando viu seu império editorial de revistas especializadas falir em função da bolha
da internet, o britânico-americano Chris Anderson resolveu comprar uma organização
até então conhecida por um pequeno grupo de pessoas, o TED. Era 2001 e o então
fundador Richard Saul Wurman, líder carismático da conferência, queria fazer outras
coisas.
Anderson resolveu apostar, mesmo com um medo enorme de fracassar. Em pouco
tempo, transformou o TED no fenômeno de mídia atual, com palestras que chegam
a dezenas de milhões de visualizações, influenciando o panorama de inovação
mundial.
Hoje, o TED tem várias iniciativas colaborativas, entre elas o TED Countdown, que
reúne dezenas de ONGs, institutos e empresas parceiras para discutir saídas para
a crise climática.
10. Intuição
Em um mundo cada vez mais movido por dados, falar sobre intuição chega a ser
revolucionário. Afinal, a cobrança constante por resultados, na maneira como o
mercado está organizado, exige a observação de uma série de ferramentas e padrões
de gestão que não deixa espaço para intuir absolutamente nada.
A indiana Nilima Bhat percebeu, depois de uma sólida carreira em uma agência de
comunicação e relações públicas, que muitas vezes caía no “lugar de massagear a
verdade”. Certo dia, sonhou que, depois de ter enfrentado e vencido o câncer do
marido, precisava trabalhar o empoderamento das mulheres e, ao mesmo tempo,
divulgar o conhecimento ancestral da Índia pelo mundo. E foi o que ela fez.
Assim nasceu a Liderança Shakti (poder feminino), para ajudar a desenvolver a
dimensão feminina em homens e mulheres, ajudando a tornar os líderes genuinamente
mais cooperativos, criativos e inclusivos.
11. Ancestralidade
As lideranças do século 21 carregam uma história de conexão com suas origens.
Demonstram vínculos muito fortes e aprendizados que levam adiante em suas jornadas.
Vínculos que mais tarde extrapolam para a capacidade de colaborar e fazer parte de
algo maior.
O arquiteto croata Marko Brajovic conta sobre sua infância idílica de conexão entre
família e natureza para falar da origem de sua arquitetura inspirada na natureza.
A executiva Patricia Santos aprendeu sobre os desafios e os preconceitos de raça e
cor no berço da família, e isso inspirou a criação da EmpregueAfro, que trabalha para
aumentar a participação de pessoas negras no ambiente empresarial.
A preocupação em cuidar e honrar o passado para projetar o futuro é bastante presente
nos líderes preocupados com o todo e com capacidade de colaborar.
12. Espiritualidade
Por fim, as lideranças do século 21 investem no autoconhecimento para entender seu
propósito e missão no mundo, desenvolvendo uma espiritualidade conectada com a
busca pela própria essência.
O argentino Alex Pryor, por exemplo, tem uma forte relação com a natureza, e resolveu
trabalhar com orgânicos enquanto estudava na California Polytechnic State University
na década de 1990 – ao contrário da maioria da turma, que se encaminhou para o ramo
da alimentação industrial. Ele reforçou o vínculo com a erva-mate, desenvolvido na infância
com os pais, e resolveu fazer disso um negócio em harmonia com as populações indígenas
da região dos Pampas na América do Sul.
Com os sócios da Guayaki, Pryor garante condições para as comunidades gerarem
valor com o plantio regenerativo de erva-mate orgânica, que abastece a produção de
um negócio em plena ascensão na América do Norte – presente em grandes redes nos
Estados Unidos e Canadá.
Alex demonstra uma relação forte de conexão com a natureza para reforçar sua crença
e respeito às plantas e interconexão com o planeta, fonte de tudo o que temos.
Os desafios para a transição para uma economia verde são enormes e mais do que
nunca precisamos de líderes à altura desta jornada.
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